O Garoto no Convés

O Garoto no Convés, de John Boyne, o mesmo autor de O Menino do Pijama Listrado, é uma grande aventura no mar — viagem que vai durar dois anos. Lendo-a, descobrimos e questionamos muitas coisas.

Afinal, por que nós brasileiros também não temos aventuras marítimas? Afinal, nos fizemos parte das navegações portuguesas, e a relação de Portugal com sua colônia sempre foi por mar. No entanto, é difícil nomear um livro brasileiro (ou talvez português, com exceção dos Lusíadas) que se passe em alto mar.

Por que será que O Garoto no Convés não fez tanto sucesso quando O Menino do Pijama…? É um livro mais bem escrito, com muito mais detalhes, e mais convincente.

Mas existe uma explicação.

A história já tinha sido contada em livro – ou livros!  Por ser um acontecimento histórico, foi romanceada por Charles Nordhoff na década de 1930. E ele escreveu uma trilogia — que seria transformada em 2 filmes, o último deles com Marlon Brando.

No entanto, já havia livros sobre o Capitão Bligh, figura histórica, inclusive um livro do próprio capitão, e outros. Ou seja, o autor recontou uma história conhecida. Desta vez, pelo ponto de vista de John Jacob Turnstile, de 14 anos, narrador que a transforma numa aventura juvenil – e num romance de formação.

John Boyne adotou uma escrita própria do século XIX. O que quer dizer: frases bem mais longas, mais explicativas, uma linguagem mais formal, embora salpicada de expressões coloquiais. É curioso como autores daquela época pareciam ser julgados pela completude de suas explicações, ou seja, pouca coisa era deixada para a imaginação do autor (e nesse sentido Machado de Assis foi um precursor).

Mas a aventura nos prende. Nem é bom saber muita coisa, para saborear as surpresas.

O jovem Turnstile vivia na casa do sr. Lewis, que funcionava como “orfanato”, mas na prática era uma escola de ladrões. Ele tinha de roubar para o sr. Lewis, e é assim que, sendo preso, tem a sua sentença trocada por uma temporada no mar, como criado do Capitão Bligh. Essa posição lhe dá oportunidade de ouvir as conversas mais importantes a bordo.

O navio Bounty é estruturado por uma firme hierarquia: Capitão Bligh, o imediato sr. Fryer, sr. Christian e sr. Heywood, os oficiais. Todos os outros são a equipe. O Capitão não se dá bem com seu imediato, sr. Fryer, que questiona suas decisões, mas esse equilíbrio de forças vai se modificar ao longo da história — e é isso que dá interesse ao livro. O Capitão diz que não quer fazer uso dos castigos corporais (chibatadas) para controlar a equipe, mas vai ser difícil manter essa promessa.

Há dois acontecimentos que se destacam: ao passar pelo equador, o jovem Turnstile é submetido a um “rito de passagem” baseado em uma superstição. O que acontece é quase inacreditável.

E, depois, eles chegam a uma ilha, Otaheite (Haiti), onde encontram nativas amistosas (selvagens, como as chamam), e podem fazer muito sexo com elas. É curioso, pois Os Lusíadas também tem uma passagem exatamente assim, a chamada Ilha dos Amores. Ou seja, Camões estava falando de algo nem um pouco fantasioso…

A dureza das provas enfrentadas, como em um bom romance de formação, é proporcional ao aprendizado do jovem narrador. Ele aprende muito, inclusive sobre sobrevivência, enquanto nós apenas nos divertimos… Uma pena que o conhecimento que há nos livros não passe a nós por osmose. Mas uma pequena parte, sim, dela nos apropriamos…